segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Artigo de opinião - Portugal é um país estranho! - Adérito Rafael

 

Portugal é um país estranho!

Viver em Portugal estando atento aos acontecimentos da esfera política e económica é sem dúvida uma experiência interessante. Em Portugal as coisas funcionam, por vezes, de forma no mínimo estranha.

Como todos sabemos estamos hoje a viver um momento de entrada em mais uma grande recessão, os próximos tempos não são de forma alguma animadores. Desde a subida dos juros até á inflação galopante mudam a vida dos europeus, infelizmente, para pior. Medidas de apoio vão ser colocadas pelos governos, mais gastos públicos virão para tentar compensar a crise, com a subidas dos juros os países periféricos como Portugal, Itália, Grécia, que tem problemas de sobre-endividamento vão sofrer com a subidas dos juros. Muitos são os problemas e as consequências que esta nova crise trouxe e irá trazer. Mas, há algo que todos já sabemos que irá acontecer. A classe média vai sofrer.

Por falar em classe média, quando em cima disse que certas coisas funcionam de forma estranha, a maneira como a classe média é tratada em Portugal é uma dessas coisas. Em todos os países desenvolvidos, a proteção da classe média é uma prioridade, já em Portugal, penso que seja um consenso que o não é. Ter uma classe média saudável é de extrema importância para um país. É a classe média que sustenta um Estado. É a classe média que produz e faz realmente avançar o país. Por mais que as pessoas da classe média não sejam os investidores milionários que vêm criar emprego, é a classe média que vai trabalhar, vai agregar valor ao país. A classe média, tem de ser protegida, pois são essas pessoas que fazem avançar as empresas, são essas pessoas que por estarem sempre a lutar pela subida no elevador social acabam por ser os maiores contribuidores para o Estado. Temos de ser realistas, quem realmente tem elevadas taxas de esforço não é a classe baixa nem a classe alta. A classe baixa, por que não consegue ter recursos para se manter a si muito menos teria para contribuir. A classe alta, porque tem os recursos necessários para que se torne praticamente impossível de os taxar a partir de um certo ponto.

Por regra, os países esforçam-se para não taxar muito a classe média, para ela ter mais dinheiro disponível ou então taxam-na, mas entregam serviços públicos correspondentes a essa taxação. A razão para isto é clara, é necessário manter a classe média motivada a querer produzir mais que a classe baixa, até porque assim se estimula a classe baixa a querer subir para a média, e a média a aspirar chegar á classe seguinte. Em Portugal fizemos um misto das duas abordagens faladas em cima, a classe média é muito taxada e claramente não lhe é entregue o devido em serviços públicos.

Como disse no início deste artigo, estamos a entrar em mais uma forte crise. Não creio que a melhor abordagem seja a que temos tido nos últimos anos. Não se pode continuar a ignorar que o salário das pessoas qualificadas esteja estagnado. Segundo um estudo da fundação Gulbenkian[1] “a trajetória descendente do salário médio real que se iniciou em 2011 só se inverteu de 2016”, “Entre 2002 e 2017, o salário-base médio real cresceu 0,32% ao ano”.  

Tem de se tomar mediadas, tem de se aliviar a carga fiscal às pessoas! Não podemos ter uma classe média a pagar de 22% a quase 37% de taxa media do seu salário em IRS. Até porque, em cima deste vem a segurança social a 11%, e todos os impostos indiretos. Segundo a OCDE, no estudo “Taxing Wages 2022”, entre 2000 e 2021, a carga fiscal sobre o trabalhador solteiro médio em Portugal subiu de 37,3% para 41,8%.

Temo, no entanto, que este não seja o caminho que a atual liderança do nosso país irá tomar. Desejo que me engane, mas o mais provável a acontecer, com base no comportamento do executivo nos últimos anos, é que mais medidas existencialistas, que penhoram o futuro em troca de medidas muito pouco eficazes no presente, sejam implementadas, mais escândalos e decadência económica. Termino, no mesmo tom do início do artigo, dizendo que os próximos anos não serão fáceis, a inflação veio piorar ainda mais a situação. Mais uma vez temos a oportunidade de começar a tomar as decisões certas, ajudar as pessoas e a economia, mas temos um governo socialista com maioria absoluta, assim sendo, só mesmo esperando que Bruxelas saiba o que está e vai fazer… 



[1]  O Salário Médio em Portugal – Retrato atual e evolução recente, da autoria de Priscila Ferreira (U. Minho), Marta C. Lopes (European University Institute) e Lara P. Tavares (Centro de Administração e Políticas Públicas da Universidade de Lisboa), e os briefs Alavancar o Salário no Talento (preparado pelo ISEG), Efeitos de Diferentes Tipos de Políticas Económicas na Promoção do Crescimento dos Salários: Evidência Internacional (preparado pelo PROSPER – Center of Economics for Prosperity, da Católica Lisbon School of Business & Economics, Universidade Católica Portuguesa) e Especialização Produtiva e Salários: Propostas para Qualificar Portugal (preparado pelo Centro de Estudos Sociais – Laboratório Associado da Universidade de Coimbra) que permitem aprofundar o tema.