Criação e desenvolvimento do Sistema Monetário Europeu
Índice:
1. A história do SME;
2. Finalidades e Caracterização do SME.
2.1 – As finalidades do SME;
2.1.1- – Os Elementos do SME;
3. O Desenvolvimento;
4. Conclusão;
1. A história do SME
A busca por criar um espaço de estabilidade monetária na Europa foi feita de forma gradual, mas nem sempre bem-sucedida. Diversas tentativas marcaram esse percurso.
Dentre elas, destacam-se os planos de Barre e de Werner, que, embora não tenham tido sucesso imediato, inspiraram relatórios posteriores, como o Relatório Davignon (1972-73) e a institucionalização dos Conselhos Europeus em 1975, referidos pelo Professor José Renato Gonçalves.*1
Uma das tentativas mais significativas antes da criação formal do Sistema Monetário Europeu surgiu na Cimeira de Paris, em 1972. Aí tentou-se impulsionar a cooperação monetária através da criação de um sistema de flutuação controlada das moedas, conhecido como a "serpente monetária". A ideia era relativamente simples: permitir flutuações cambiais, mas dentro de margens apertadas em relação ao dólar americano. Apesar do engenho, o mecanismo revelou-se instável.
A trajetória da “serpente monetária” acabou por ser bastante turbulenta. Vários países entravam e saíam do sistema, à medida que enfrentavam dificuldades económicas internas. O choque provocado pela subida acentuada dos preços do petróleo e o agravamento da conjuntura económica mundial acabaram por fragilizar ainda mais o mecanismo. Com o colapso do sistema de Bretton Woods e a desvalorização do dólar, tornou-se evidente que este modelo já não era sustentável. Em poucos anos, a “serpente” perdeu a maioria dos seus membros, ficando praticamente reduzida a um pequeno grupo em torno do marco alemão, acompanhado pelos países do Benelux e pela Dinamarca.
Teríamos, então, mais um aprofundamento na integração económica, principalmente movida pela Alemanha e França, nas pessoas do Chanceler alemão Helmut Schmidt e Do Presidente francês Giscard d’Estaing. Em abril de 1978, o Conselho Europeu, vem a convidar, em Copenhaga, as instituições comunitárias a estudar os mecanismos de um novo sistema monetário. Isto Culminaria a 7 de julho de 1978, em posterior reunião do mesmo Conselho, celebrada em Brema a se pronunciasse a favor de «uma zona de estabilidade monetária na Europa». Tendo em vista facilitar o regresso a um crescimento mais durável e não inflacionista, restaurando um clima mais propício ao investimento produtivo.*5
Vale ainda assinalar que nesta evolução se adotou uma via processual inversa da seguida em esforços anteriores, surgindo, primeiro, uma decisão política fundamental e, só depois, se descendo à elaboração dos indispensáveis pormenores concretos; ficou, deste modo, aberto, em termos institucionais, o caminho que, após numerosas discussões técnicas, levaria à decisão de Bruxelas na cimeira de Bruxelas em dezembro de 1978, de se implementar o novo S. M. E.. *6
Também os fatores políticos tiveram peso. Em França, um novo governo encontrou espaço para lançar um plano de estabilização económica que incluía um acordo cambial com a Alemanha. Do lado alemão, havia vontade de reforçar a autonomia em relação aos Estados Unidos e afirmar o papel da Europa.*7
Assim nascia o SME, com a ambição de estabilizar o espaço monetário europeu. Desde o início, ficou definido que alguns países teriam margens de flutuação mais amplas (como a Itália) e que todas as alterações às paridades cambiais seriam decididas coletivamente. A par disso, foi criado o ECU, European Currency Unit, um passo simbólico e prático rumo à moeda única.*8
2. Finalidades e Caracterização do SME
2.1 – As finalidades do SME
No essencial, o SME nasceu com um objetivo ambicioso e bem definido: aproximar os países europeus através de uma verdadeira união monetária. Não se tratava apenas de criar um mecanismo técnico de controlo cambial, pretendia-se construir um espaço comum de estabilidade, onde as moedas pudessem coexistir de forma coordenada, com menos volatilidade e maior previsibilidade económica.
O Sistema Monetário Europeu foi, assim, a resposta europeia ao fim da ordem monetária internacional criada em Bretton Woods. Com o dólar norte-americano a perder parte da sua fiabilidade como referência cambial global, tornou-se urgente para os países da Comunidade Europeia encontrar uma alternativa que assegurasse estabilidade interna, sem depender em demasia de flutuações externas.
O SME foi esse passo: um esforço conjunto para alinhar políticas económicas e reduzir as oscilações cambiais, permitindo um mercado mais integrado e equilibrado.
2.1.1 – Os elementos do SME
Para atingir esses objetivos, o SME foi construído com base em três pilares essenciais:
1.º – A ECU (European Currency Unit):
Uma das inovações mais relevantes foi a introdução da ECU, uma espécie de unidade de conta europeia. A ECU não era uma moeda física, mas sim uma referência comum, baseada num cabaz ponderado das moedas dos Estados-Membros, proporcional ao peso económico de cada país. Servia como unidade de cálculo, instrumento de comparação, e também como meio de pagamento entre bancos centrais. Em resumo, a ECU foi uma espécie de antecessora simbólica do euro, um passo preparatório importante.
2.º – O Mecanismo de Taxas de Câmbio (MTC):
Outro elemento central foi o MTC, que impunha limites à variação das taxas de câmbio entre as moedas dos países participantes. A ideia era manter as taxas cambiais dentro de margens de flutuação controladas, reduzindo choques cambiais e garantindo maior previsibilidade para o comércio e investimento.
O MTC tinha dois componentes fundamentais:
- Por um lado, o sistema baseava-se em paridades bilaterais: cada moeda tinha uma cotação central, calculada com base na ECU, e devia manter-se dentro de uma margem de variação previamente definida, geralmente de ±2,25%. A única exceção era a lira italiana, que dispunha de uma margem mais alargada.
- Por outro lado, existia também um mecanismo complementar conhecido como indicador de divergência. Este funcionava como um sistema de alerta precoce, sinalizando quando uma moeda começava a aproximar-se do limite da sua margem de flutuação. Assim, era possível antecipar desequilíbrios e permitir uma atuação coordenada por parte das autoridades monetárias, antes que surgissem tensões mais graves nos mercados.
3.º – Linhas de crédito entre bancos centrais:
Por fim, o SME incluiu também um sistema de financiamento solidário. Foram criadas linhas de crédito específicas — curtas e médias, que permitiam aos países obter apoio monetário em caso de pressão cambial. Esta rede de apoio interno entre bancos centrais foi crucial para garantir estabilidade nos momentos mais sensíveis e distinguir-se do modelo anterior da “serpente monetária”, que carecia desse suporte estruturado.
3 O Desenvolvimento.
Os primeiros seis meses, ou, como referido por Rapaz V. (1980), a “primeira infância” do SME, caracterizaram-se por uma relativa tranquilidade, facilitada sobretudo pela maior estabilidade do dólar nos mercados cambiais, decorrente de uma política mais assertiva por parte dos Estados Unidos e de uma maior aceitação, no seio da CEE, da necessidade de uma política monetária mais restritiva, visando uma estabilidade acrescida no plano monetário internacional.
Ao fim desse período, o SME foi alvo de avaliação: os ministros das Finanças dos Estados-Membros reuniram-se a 17 de setembro, em Bruxelas, tendo decidido manter os mecanismos em vigor e as respetivas regras de funcionamento.*16
Apesar dessa aparente estabilidade inicial, os primeiros quatro anos de funcionamento do sistema foram marcados por vários realinhamentos.*17 Este período revelou divergências económicas relevantes entre os países, desde níveis de inflação distintos a desequilíbrios nas balanças de transações correntes. Os défices orçamentais eram elevados e, muitas vezes, financiados por emissão monetária, dificultando a harmonização plena no contexto do SME. Como sublinha o Professor António Mendonça, tratava-se também de um verdadeiro processo de “aprendizagem”.*18
Mais tarde, a partir de 1985, os objetivos iniciais de estabilidade evoluíram para algo ainda mais ambicioso: a construção de um verdadeiro espaço financeiro integrado. Foi neste ambiente de crescente cooperação que surgiu uma diretiva decisiva do Conselho, adotada a 17 de novembro de 1986 e com entrada em vigor em fevereiro de 1987. Esta medida marcou um passo fundamental no aprofundamento da integração europeia, ao prever a liberalização dos movimentos de capitais, incluindo, por exemplo, créditos a longo prazo associados ao comércio e à prestação de serviços. Com isso, os fluxos financeiros passaram finalmente a acompanhar de forma mais natural os fluxos reais de bens e serviços, criando as bases para um mercado financeiro europeu mais livre, interligado e dinâmico.
A recuperação económica internacional iniciada em 1984 prolongou-se até ao final de 1991. Assistiu-se a uma redução nos diferenciais de inflação e nas taxas de juro, a uma manutenção da convergência económica e a uma melhoria generalizada nas economias da Comunidade. Por consequência, o SME funcionou com relativa fluidez. Ainda assim, houve flutuações significativas, como a entrada da lira italiana na margem estreita do MTC, seguida de uma desvalorização de 3,68% face ao ECU.*20
Já em 1987, os líderes europeus reconheceram a importância de reforçar ainda mais o funcionamento do SME. Por isso, o Conselho atribuiu ao Comité Monetário e ao Conselho de Governadores dos Bancos Centrais a tarefa de estudar novas formas de consolidação do sistema. As propostas foram apresentadas em Basileia, no início de setembro, e rapidamente aprovadas na reunião de Nyborg, realizada nos dias 12 e 13 desse mês. Entre as medidas acordadas, destacou-se a criação de linhas de crédito de muito curto prazo, um mecanismo que permitia às autoridades monetárias realizar intervenções imediatas e sem limites, sempre que fosse necessário garantir o cumprimento dos compromissos cambiais no âmbito do SME.*21
Ao longo de dez anos, o SME contribuiu muito para reduzir a variabilidade das taxas de câmbio: a flexibilidade do sistema, aliada à vontade política de atingir uma convergência económica, permitiu alcançar a estabilidade monetária.
4. Conclusão.
Sistema Monetário Europeu (SME) foi muito mais do que um simples instrumento técnico para controlar as taxas de câmbio. Foi, na verdade, um momento chave na caminhada da Europa para uma verdadeira união económica e monetária. Ao longo dos anos, ajudou a reduzir a instabilidade entre as moedas dos países membros, criando um clima económico mais estável e previsível, essencial para impulsionar o crescimento. Mas o seu valor foi também simbólico: o SME funcionou como uma ponte entre diferentes economias, aproximando países e incentivando uma maior sintonia nas políticas adotadas, num verdadeiro exercício de cooperação europeia.
É certo que o percurso não foi isento de desafios. Os realinhamentos cambiais, as divergências internas e as dificuldades na harmonização de políticas mostraram quão complexa pode ser uma integração desta natureza. Ainda assim, o sistema provou ter capacidade de adaptação. A introdução da ECU e do Mecanismo de Taxas de Câmbio desempenhou um papel decisivo para manter o equilíbrio e preparar o terreno para uma união mais robusta.
No fundo, o SME foi um verdadeiro ensaio para o nascimento do euro. A sua existência permitiu testar modelos de cooperação, afinar mecanismos institucionais e, acima de tudo, gerar confiança entre os países. O seu legado permanece vivo na forma como hoje se estrutura o sistema financeiro europeu — e continua a ser uma referência incontornável na história da construção europeia.
Bibliografia e Webgrafia:
Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina.
Braga J., 1996, O Sistema Monetário Europeu, como mecanismo de desinflação, ISEG, tese de mestrado em Economia Monetária e Financeira ; https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/17348/1/DM-JPSB-1996.pdf
Mendonça A., 1994, O Sistema Monetário Europeu, Passado, Presente e Futuro, ISEG, Documento de trabalho nº 5/94, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/23906/1/AMENDON%c3%87A%205- 94.pdf
Rapaz V., 1980, Sistema Monetário Europeu: fundamentos, evolução e perspetivas, Revistas Científicas da UCP, pag. 25 a 77, https://feji.us/kja9x2
Site acedido a 10/10/2024, Euro Lex; Rumo à moeda única: síntese histórica da UEM;- https://eur-lex.europa.eu/PT/legal-content/summary/towards-a-single-currency-a-briefhistory-of-emu.html
Site acedido a 11/10/2024; História da união económica e monetária - https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/79/a-historia-da-uniao-economica-emonetaria
*Notas de rodapé*
*1 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina, pag 186.
*2 Site acedido a 11/10/2024; História da união económica e monetária - https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/79/a-historia-da-uniao-economica-emonetaria
*3 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina, pag 186.
*4 Rapaz V., 1980, Sistema Monetário Europeu: fundamentos, evolução e perspetivas, Revistas Científicas da UCP, pag. 25 a 77, https://feji.us/kja9x2 , pag 28
*5 Rapaz V., 1980, Sistema Monetário Europeu: fundamentos, evolução e perspetivas, Revistas Científicas da UCP, pag. 25 a 77, https://feji.us/kja9x2 , pag 32
*6 Rapaz V., 1980, Sistema Monetário Europeu: fundamentos, evolução e perspetivas, Revistas Científicas da UCP, pag. 25 a 77, https://feji.us/kja9x2 , pag 32
*7 Braga J., 1996, O Sistema Monetário Europeu, como mecanismo de desinflação, ISEG, tese de mestrado em Economia Monetária e Financeira ; https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/17348/1/DM-JPSB-1996.pdf ; pag 11 8
*8 Braga J., 1996, O Sistema Monetário Europeu, como mecanismo de desinflação, ISEG, tese de mestrado em Economia Monetária e Financeira, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/17348/1/DM-JPSB-1996.pdf ;pag 11
*9 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina, pag 188
*10 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina, pag 190
*11 Rapaz V., 1980, Sistema Monetário Europeu: fundamentos, evolução e perspetivas, Revistas Científicas da UCP, pag. 25 a 77, https://feji.us/kja9x2 pag 35
*12 Site acedido a 10/10/2024, Euro Lex; Rumo à moeda única: síntese histórica da UEM;- https://eurlex.europa.eu/PT/legal-content/summary/towards-a-single-currency-a-brief-history-of-emu.html
*13 Mendonça A., 1994, O Sistema Monetário Europeu, Passado, Presente e Futuro, ISEG, Documento de trabalho nº 5/94, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/23906/1/AMENDON%c3%87A%205- 94.pdf ; pag 22
*14 Mendonça A., 1994, O Sistema Monetário Europeu, Passado, Presente e Futuro, ISEG, Documento de trabalho nº 5/94, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/23906/1/AMENDON%c3%87A%205- 94.pdf ;pag 22-23
*16 Rapaz V., 1980, Sistema Monetário Europeu: fundamentos, evolução e perspetivas, Revistas Científicas da UCP, pag. 25 a 77, https://feji.us/kja9x2 , pag 54 e 55
*17 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina. pag 192
*18 Mendonça A., 1994, O Sistema Monetário Europeu, Passado, Presente e Futuro, ISEG, Documento de trabalho nº 5/94, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/23906/1/AMENDON%c3%87A%205-94.pdf ;pag 29
*19 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina. pag 192-193
*20 Mendonça A., 1994, O Sistema Monetário Europeu, Passado, Presente e Futuro, ISEG, Documento de trabalho nº 5/94, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/23906/1/AMENDON%c3%87A%205- 94.pdf ;pag 33
*21 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina. Pag 193
*22 Site acedido a 11/10/2024; História da união económica e monetária - https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/79/a-historia-da-uniao-economica-e-monetaria .
*23 Cada um dos mecanismos de crédito apenas foi acionado uma única vez, sempre pela Itália, a qual sacou, a curto prazo, em março de 1974, o equivalente a cerca de 1900 milhões de dólares, depois transferidos para o médio prazo, em dezembro de 1975. Em setembro de 1978, a Itália procedeu ao pagamento antecipado dos valores em dívida.
Artigo de:
Adérito José Teixeira da Silva de Azevedo Rafael
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