segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Criação e desenvolvimento do Sistema Monetário Europeu - Artigo de Adérito José Rafael

 





  Criação e desenvolvimento do Sistema Monetário Europeu


        Índice:

                        1.  A história do SME;

                       2. Finalidades e Caracterização do SME.

                            2.1 – As finalidades do SME;

                                    2.1.1- – Os Elementos do SME;

                       3. O Desenvolvimento;

                      4. Conclusão; 



    1. A história do SME 

A busca por criar um espaço de estabilidade monetária na Europa foi feita de forma gradual, mas nem sempre bem-sucedida. Diversas tentativas marcaram esse percurso.

Dentre elas, destacam-se os planos de Barre e de Werner, que, embora não tenham tido sucesso imediato, inspiraram relatórios posteriores, como o Relatório Davignon (1972-73) e a institucionalização dos Conselhos Europeus em 1975, referidos pelo Professor José Renato Gonçalves.*1

Uma das tentativas mais significativas antes da criação formal do Sistema Monetário Europeu surgiu na Cimeira de Paris, em 1972. Aí tentou-se impulsionar a cooperação monetária através da criação de um sistema de flutuação controlada das moedas, conhecido como a "serpente monetária". A ideia era relativamente simples: permitir flutuações cambiais, mas dentro de margens apertadas em relação ao dólar americano. Apesar do engenho, o mecanismo revelou-se instável.

A trajetória da “serpente monetária” acabou por ser bastante turbulenta. Vários países entravam e saíam do sistema, à medida que enfrentavam dificuldades económicas internas. O choque provocado pela subida acentuada dos preços do petróleo e o agravamento da conjuntura económica mundial acabaram por fragilizar ainda mais o mecanismo. Com o colapso do sistema de Bretton Woods e a desvalorização do dólar, tornou-se evidente que este modelo já não era sustentável. Em poucos anos, a “serpente” perdeu a maioria dos seus membros, ficando praticamente reduzida a um pequeno grupo em torno do marco alemão, acompanhado pelos países do Benelux e pela Dinamarca.

Teríamos, então, mais um aprofundamento na integração económica, principalmente movida pela Alemanha e França, nas pessoas do Chanceler alemão Helmut Schmidt e Do Presidente francês Giscard d’Estaing. Em abril de 1978, o Conselho Europeu, vem a convidar, em Copenhaga, as instituições comunitárias a estudar os mecanismos de um novo sistema monetário. Isto Culminaria a 7 de julho de 1978, em posterior reunião do mesmo Conselho, celebrada em Brema a se pronunciasse a favor de «uma zona de estabilidade monetária na Europa». Tendo em vista facilitar o regresso a um crescimento mais durável e não inflacionista, restaurando um clima mais propício ao investimento produtivo.*5

Vale ainda assinalar que nesta evolução se adotou uma via processual inversa da seguida em esforços anteriores, surgindo, primeiro, uma decisão política fundamental e, só depois, se descendo à elaboração dos indispensáveis pormenores concretos; ficou, deste modo, aberto, em termos institucionais, o caminho que, após numerosas discussões técnicas, levaria à decisão de Bruxelas na cimeira de Bruxelas em dezembro de 1978, de se implementar o novo S. M. E.. *6

Também os fatores políticos tiveram peso. Em França, um novo governo encontrou espaço para lançar um plano de estabilização económica que incluía um acordo cambial com a Alemanha. Do lado alemão, havia vontade de reforçar a autonomia em relação aos Estados Unidos e afirmar o papel da Europa.*7

Assim nascia o SME, com a ambição de estabilizar o espaço monetário europeu. Desde o início, ficou definido que alguns países teriam margens de flutuação mais amplas (como a Itália) e que todas as alterações às paridades cambiais seriam decididas coletivamente. A par disso, foi criado o ECU, European Currency Unit, um passo simbólico e prático rumo à moeda única.*8

    

2. Finalidades e Caracterização do SME

2.1 – As finalidades do SME

No essencial, o SME nasceu com um objetivo ambicioso e bem definido: aproximar os países europeus através de uma verdadeira união monetária. Não se tratava apenas de criar um mecanismo técnico de controlo cambial, pretendia-se construir um espaço comum de estabilidade, onde as moedas pudessem coexistir de forma coordenada, com menos volatilidade e maior previsibilidade económica.

O Sistema Monetário Europeu foi, assim, a resposta europeia ao fim da ordem monetária internacional criada em Bretton Woods. Com o dólar norte-americano a perder parte da sua fiabilidade como referência cambial global, tornou-se urgente para os países da Comunidade Europeia encontrar uma alternativa que assegurasse estabilidade interna, sem depender em demasia de flutuações externas.

O SME foi esse passo: um esforço conjunto para alinhar políticas económicas e reduzir as oscilações cambiais, permitindo um mercado mais integrado e equilibrado.

2.1.1 – Os elementos do SME

Para atingir esses objetivos, o SME foi construído com base em três pilares essenciais:

1.º – A ECU (European Currency Unit):
Uma das inovações mais relevantes foi a introdução da ECU, uma espécie de unidade de conta europeia. A ECU não era uma moeda física, mas sim uma referência comum, baseada num cabaz ponderado das moedas dos Estados-Membros, proporcional ao peso económico de cada país. Servia como unidade de cálculo, instrumento de comparação, e também como meio de pagamento entre bancos centrais. Em resumo, a ECU foi uma espécie de antecessora simbólica do euro, um passo preparatório importante.

2.º – O Mecanismo de Taxas de Câmbio (MTC):
Outro elemento central foi o MTC, que impunha limites à variação das taxas de câmbio entre as moedas dos países participantes. A ideia era manter as taxas cambiais dentro de margens de flutuação controladas, reduzindo choques cambiais e garantindo maior previsibilidade para o comércio e investimento.

O MTC tinha dois componentes fundamentais:

  • Por um lado, o sistema baseava-se em paridades bilaterais: cada moeda tinha uma cotação central, calculada com base na ECU, e devia manter-se dentro de uma margem de variação previamente definida, geralmente de ±2,25%. A única exceção era a lira italiana, que dispunha de uma margem mais alargada.
  • Por outro lado, existia também um mecanismo complementar conhecido como indicador de divergência. Este funcionava como um sistema de alerta precoce, sinalizando quando uma moeda começava a aproximar-se do limite da sua margem de flutuação. Assim, era possível antecipar desequilíbrios e permitir uma atuação coordenada por parte das autoridades monetárias, antes que surgissem tensões mais graves nos mercados.

3.º – Linhas de crédito entre bancos centrais:
Por fim, o SME incluiu também um sistema de financiamento solidário. Foram criadas linhas de crédito específicas — curtas e médias, que permitiam aos países obter apoio monetário em caso de pressão cambial. Esta rede de apoio interno entre bancos centrais foi crucial para garantir estabilidade nos momentos mais sensíveis e distinguir-se do modelo anterior da “serpente monetária”, que carecia desse suporte estruturado.

    3 O Desenvolvimento. 

      Os primeiros seis meses, ou, como referido por Rapaz V. (1980), a “primeira infância” do SME, caracterizaram-se por uma relativa tranquilidade, facilitada sobretudo pela maior estabilidade do dólar nos mercados cambiais, decorrente de uma política mais assertiva por parte dos Estados Unidos e de uma maior aceitação, no seio da CEE, da necessidade de uma política monetária mais restritiva, visando uma estabilidade acrescida no plano monetário internacional.

Ao fim desse período, o SME foi alvo de avaliação: os ministros das Finanças dos Estados-Membros reuniram-se a 17 de setembro, em Bruxelas, tendo decidido manter os mecanismos em vigor e as respetivas regras de funcionamento.*16

Apesar dessa aparente estabilidade inicial, os primeiros quatro anos de funcionamento do sistema foram marcados por vários realinhamentos.*17 Este período revelou divergências económicas relevantes entre os países, desde níveis de inflação distintos a desequilíbrios nas balanças de transações correntes. Os défices orçamentais eram elevados e, muitas vezes, financiados por emissão monetária, dificultando a harmonização plena no contexto do SME. Como sublinha o Professor António Mendonça, tratava-se também de um verdadeiro processo de “aprendizagem”.*18

Mais tarde, a partir de 1985, os objetivos iniciais de estabilidade evoluíram para algo ainda mais ambicioso: a construção de um verdadeiro espaço financeiro integrado. Foi neste ambiente de crescente cooperação que surgiu uma diretiva decisiva do Conselho, adotada a 17 de novembro de 1986 e com entrada em vigor em fevereiro de 1987. Esta medida marcou um passo fundamental no aprofundamento da integração europeia, ao prever a liberalização dos movimentos de capitais, incluindo, por exemplo, créditos a longo prazo associados ao comércio e à prestação de serviços. Com isso, os fluxos financeiros passaram finalmente a acompanhar de forma mais natural os fluxos reais de bens e serviços, criando as bases para um mercado financeiro europeu mais livre, interligado e dinâmico.

A recuperação económica internacional iniciada em 1984 prolongou-se até ao final de 1991. Assistiu-se a uma redução nos diferenciais de inflação e nas taxas de juro, a uma manutenção da convergência económica e a uma melhoria generalizada nas economias da Comunidade. Por consequência, o SME funcionou com relativa fluidez. Ainda assim, houve flutuações significativas, como a entrada da lira italiana na margem estreita do MTC, seguida de uma desvalorização de 3,68% face ao ECU.*20

Já em 1987, os líderes europeus reconheceram a importância de reforçar ainda mais o funcionamento do SME. Por isso, o Conselho atribuiu ao Comité Monetário e ao Conselho de Governadores dos Bancos Centrais a tarefa de estudar novas formas de consolidação do sistema. As propostas foram apresentadas em Basileia, no início de setembro, e rapidamente aprovadas na reunião de Nyborg, realizada nos dias 12 e 13 desse mês. Entre as medidas acordadas, destacou-se a criação de linhas de crédito de muito curto prazo, um mecanismo que permitia às autoridades monetárias realizar intervenções imediatas e sem limites, sempre que fosse necessário garantir o cumprimento dos compromissos cambiais no âmbito do SME.*21

Ao longo de dez anos, o SME contribuiu muito para reduzir a variabilidade das taxas de câmbio: a flexibilidade do sistema, aliada à vontade política de atingir uma convergência económica, permitiu alcançar a estabilidade monetária. 

4. Conclusão.

Sistema Monetário Europeu (SME) foi muito mais do que um simples instrumento técnico para controlar as taxas de câmbio. Foi, na verdade, um momento chave na caminhada da Europa para uma verdadeira união económica e monetária. Ao longo dos anos, ajudou a reduzir a instabilidade entre as moedas dos países membros, criando um clima económico mais estável e previsível, essencial para impulsionar o crescimento. Mas o seu valor foi também simbólico: o SME funcionou como uma ponte entre diferentes economias, aproximando países e incentivando uma maior sintonia nas políticas adotadas, num verdadeiro exercício de cooperação europeia.

É certo que o percurso não foi isento de desafios. Os realinhamentos cambiais, as divergências internas e as dificuldades na harmonização de políticas mostraram quão complexa pode ser uma integração desta natureza. Ainda assim, o sistema provou ter capacidade de adaptação. A introdução da ECU e do Mecanismo de Taxas de Câmbio desempenhou um papel decisivo para manter o equilíbrio e preparar o terreno para uma união mais robusta.

No fundo, o SME foi um verdadeiro ensaio para o nascimento do euro. A sua existência permitiu testar modelos de cooperação, afinar mecanismos institucionais e, acima de tudo, gerar confiança entre os países. O seu legado permanece vivo na forma como hoje se estrutura o sistema financeiro europeu — e continua a ser uma referência incontornável na história da construção europeia.


Bibliografia e Webgrafia: 

    Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina.

    Braga J., 1996, O Sistema Monetário Europeu, como mecanismo de desinflação, ISEG, tese de mestrado em Economia Monetária e Financeira ; https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/17348/1/DM-JPSB-1996.pdf 

    Mendonça A., 1994, O Sistema Monetário Europeu, Passado, Presente e Futuro, ISEG, Documento de trabalho nº 5/94, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/23906/1/AMENDON%c3%87A%205- 94.pdf 

    Rapaz V., 1980, Sistema Monetário Europeu: fundamentos, evolução e perspetivas, Revistas Científicas da UCP, pag. 25 a 77, https://feji.us/kja9x2 

    Site acedido a 10/10/2024, Euro Lex; Rumo à moeda única: síntese histórica da UEM;- https://eur-lex.europa.eu/PT/legal-content/summary/towards-a-single-currency-a-briefhistory-of-emu.html 

    Site acedido a 11/10/2024; História da união económica e monetária - https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/79/a-historia-da-uniao-economica-emonetaria


*Notas de rodapé* 

*1 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina, pag 186. 

*2 Site acedido a 11/10/2024; História da união económica e monetária - https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/79/a-historia-da-uniao-economica-emonetaria 

*3 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina, pag 186.

*4 Rapaz V., 1980, Sistema Monetário Europeu: fundamentos, evolução e perspetivas, Revistas Científicas da UCP, pag. 25 a 77, https://feji.us/kja9x2 , pag 28 

*5 Rapaz V., 1980, Sistema Monetário Europeu: fundamentos, evolução e perspetivas, Revistas Científicas da UCP, pag. 25 a 77, https://feji.us/kja9x2 , pag 32 

*6 Rapaz V., 1980, Sistema Monetário Europeu: fundamentos, evolução e perspetivas, Revistas Científicas da UCP, pag. 25 a 77, https://feji.us/kja9x2 , pag 32 

*7 Braga J., 1996, O Sistema Monetário Europeu, como mecanismo de desinflação, ISEG, tese de mestrado em Economia Monetária e Financeira ; https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/17348/1/DM-JPSB-1996.pdf ; pag 11 8  

*8 Braga J., 1996, O Sistema Monetário Europeu, como mecanismo de desinflação, ISEG, tese de mestrado em Economia Monetária e Financeira, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/17348/1/DM-JPSB-1996.pdf ;pag 11

*9 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina, pag 188 

*10 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina, pag 190 

*11 Rapaz V., 1980, Sistema Monetário Europeu: fundamentos, evolução e perspetivas, Revistas Científicas da UCP, pag. 25 a 77, https://feji.us/kja9x2 pag 35 

 *12 Site acedido a 10/10/2024, Euro Lex; Rumo à moeda única: síntese histórica da UEM;- https://eurlex.europa.eu/PT/legal-content/summary/towards-a-single-currency-a-brief-history-of-emu.html 

*13 Mendonça A., 1994, O Sistema Monetário Europeu, Passado, Presente e Futuro, ISEG, Documento de trabalho nº 5/94, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/23906/1/AMENDON%c3%87A%205- 94.pdf ; pag 22 

*14 Mendonça A., 1994, O Sistema Monetário Europeu, Passado, Presente e Futuro, ISEG, Documento de trabalho nº 5/94, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/23906/1/AMENDON%c3%87A%205- 94.pdf ;pag 22-23 

*15 Rapaz V., 1980, Sistema Monetário Europeu: fundamentos, evolução e perspetivas, Revistas Cientificas da UCP, pag. 25 a 77, https://feji.us/kja9x2 

*16 Rapaz V., 1980, Sistema Monetário Europeu: fundamentos, evolução e perspetivas, Revistas Científicas da UCP, pag. 25 a 77, https://feji.us/kja9x2 , pag 54 e 55 

*17 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina. pag 192

*18 Mendonça A., 1994, O Sistema Monetário Europeu, Passado, Presente e Futuro, ISEG, Documento de trabalho nº 5/94, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/23906/1/AMENDON%c3%87A%205-94.pdf ;pag 29 

*19 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina. pag 192-193 

*20 Mendonça A., 1994, O Sistema Monetário Europeu, Passado, Presente e Futuro, ISEG, Documento de trabalho nº 5/94, https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/23906/1/AMENDON%c3%87A%205- 94.pdf ;pag 33

*21 Gonçalves J., 2019; O Euro: Balanço e Perspetivas, Almedina. Pag 193 

*22 Site acedido a 11/10/2024; História da união económica e monetária - https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/79/a-historia-da-uniao-economica-e-monetaria . 

*23 Cada um dos mecanismos de crédito apenas foi acionado uma única vez, sempre pela Itália, a qual sacou, a curto prazo, em março de 1974, o equivalente a cerca de 1900 milhões de dólares, depois transferidos para o médio prazo, em dezembro de 1975. Em setembro de 1978, a Itália procedeu ao pagamento antecipado dos valores em dívida. 


Artigo de:

 Adérito José Teixeira da Silva de Azevedo Rafael





terça-feira, 15 de julho de 2025

Transparência e Representação: Repensar os Limites da Vida Pública em Democracia

 Transparência e Representação: Repensar os Limites da Vida Pública em Democracia


A democracia exige mais do que legalidade. Exige confiança. Uma confiança que se constrói com transparência, responsabilidade e sentido ético. Em Portugal, a relação entre política e interesses privados tem sido, recorrentemente, motivo de controvérsia pública. O caso recente em torno do Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, sobre uma alegada omissão na declaração de interesses indiretos associados a uma empresa gerida por familiares reacendeu este debate. Mais do que um episódio individual, este momento deve ser lido como oportunidade para refletir com maturidade sobre a ética na ação política, os deveres de transparência e o papel da experiência extra-política na vida pública.

É importante deixar claro que este texto não pretende constituir qualquer forma de  julgamento pessoal ou condenação política. Pelo contrário: parte do princípio de que a política deve ser analisada com seriedade e ponderação. Mas é precisamente por isso que importa não relativizar os episódios que alimentam a desconfiança cívica e corroem a qualidade da democracia.

Quando se exige que um governante declare os seus interesses, diretos ou indiretos, não se trata apenas de um exercício formal. Trata-se de garantir que o exercício de funções públicas não colide com eventuais interesses privados, diretos ou ocultos. A transparência não é um apêndice da democracia: é o seu fundamento. E é justamente por isso que qualquer alegada omissão, mesmo que juridicamente irrelevante, pode ter consequências políticas sérias, alimentando suspeitas e descredibilizando as instituições públicas.

O problema não está, necessariamente, na existência desses vínculos, sobretudo quando se trata de trajetos empresariais legítimos e anteriores à assunção de cargos públicos. O problema está na opacidade. É o não dito, o não declarado, o que mina a confiança pública. Uma democracia saudável precisa de regras claras, mas também de uma cultura política exigente, onde os protagonistas assumem que, quanto maior o poder, maior a responsabilidade e maior a obrigação de escrutínio.

É também necessário rejeitar a visão simplista que desconfia automaticamente de qualquer político com passado empresarial ou profissional. A política precisa de representantes com conhecimento da realidade económica, da vida profissional fora das instituições. Não se constrói um Estado mais eficiente apenas com técnicos ou burocratas. 

Precisamos de pessoas com experiência concreta, com capacidade de entender os desafios da criação de valor, da gestão, da inovação. E não se deve exigir que, para se exercer a função política, se abdique do que se construiu com mérito. A exigência deve ser outra: declarar tudo, com rigor e clareza.

A política não pode ser um mundo fechado, mas também não pode ser um espaço onde zonas de sombra sejam toleradas por complacência legal. A integridade exige visibilidade. A confiança pública constrói-se à luz do dia. E quando há alegações que sugerem ausência de declaração seja rendimentos ou património relevante, ainda que o enquadramento legal não seja claro ou diretamente violado, o impacto político não deixa de existir. A perceção pública é tão relevante como a norma jurídica, sobretudo em democracias assentes na confiança.

A decisão do Governo de apresentar uma moção de confiança na Assembleia da República, face à polémica, surge como um gesto institucional compreensível, mas não me parece necessário, nem politicamente útil. A confiança que se perdeu não foi a dos deputados, mas a dos cidadãos. A democracia parlamentar já tem mecanismos para escrutinar e responsabilizar. Se houve, de facto, uma falha na declaração de interesses por parte do Primeiro-Ministro, algo que ainda carece de prova e investigação, cabe às entidades competentes apurar os factos. Nesse sentido, é de saudar o gesto do próprio Primeiro-Ministro ao solicitar uma auditoria às suas declarações de rendimentos. É esse o caminho certo: confiar nas instituições, sem dramatizações parlamentares.

Uma moção de confiança arrisca, pelo contrário, gerar um efeito político inverso ao desejado: fragilizar o Governo perante a opinião pública e, em caso de rejeição, forçar uma dissolução parlamentar que pode ser vista como uma quebra injustificada do ciclo democrático. Será um erro precipitar uma crise política que não resulta de divergências programáticas, mas de uma questão ética que deve ser analisada com rigor, mas também com proporcionalidade. Os votos que elegeram este governo devem ser respeitados e a estabilidade política preservada enquanto o sistema institucional cumpre o seu papel.

Este episódio deve ser, mais do que tudo, uma oportunidade para reformar. Portugal já possui mecanismos legais para a prevenção de conflitos de interesses, mas estes não têm sido suficientes para lidar com zonas cinzentas, aquelas situações onde não há ilegalidade formal, mas onde há desconforto ético evidente. Talvez seja tempo de propor um pacto mais ambicioso para a ética pública. Um compromisso político e institucional que eleve o padrão da transparência, melhore os registos de interesses, garanta auditorias independentes e estabeleça regras claras sobre conflitos indiretos.

É importante recordar que a existência de conflitos de interesse, por si só, não é necessariamente um problema, é algo expectável numa democracia onde os representantes têm percursos profissionais e património próprios. O que importa é que esses conflitos sejam visíveis, declarados e escrutináveis. A transparência não deve ser encarada como penalização de quem trabalhou e construiu algo, mas sim como condição essencial para garantir confiança e vigilância democrática. O essencial é garantir que todos possam vê-los e controlar eventuais desvios do aceitável.

A democracia portuguesa é sólida, mas não pode resignar-se à complacência ética. A confiança dos cidadãos não se recupera com gestos formais nem com comunicações defensivas. Recupera-se com coerência, responsabilidade e uma cultura pública onde o exemplo pessoal seja parte integrante da vida democrática. Sim, precisamos de políticos que tragam experiência da vida real, que compreendam a economia, a gestão, o mundo do trabalho. Mas precisamos, também, que essa experiência seja colocada ao serviço do bem comum com absoluta transparência.

Porque uma democracia não se sustenta apenas em leis — sustenta-se na confiança. E essa constrói-se à luz do dia. 


Adérito José T. S. A. Rafael

sábado, 19 de outubro de 2024

O panorama económico português – Impostos.

 O panorama económico português – Impostos.


1.     Introdução 

            O presente artigo tem como objetivo o estudo da crença popular que, em Portugal, a carga fiscal é das mais elevadas da Europa. Não tem como propósito ser uma investigação ou densificação teórica sobre os impostos.

Ainda assim, vale referir que os Impostos são vistos como um mecanismo de transformação social. A doutrina maioritária defende estes, como o grande instrumento de financiamento estatal e de redistribuição. Existe também quem advogue a sua redução máxima e a diminuição do seu papel fundamental nas economias modernas.

            Dada a importância deste tema vamos aprofundar nos dados e perceber, qual o peso da atual carga fiscal portuguesa.

 

 2.     A carga fiscal: hoje e no passado.

    

             Costuma-se dizer que os impostos em Portugal são altos, aliás dos mais altos na Europa. Agora, será que Portugal é mesmo dos países com maior carga fiscal da União Europeia?

            Segundo os dados de 2020 do Eurostat, Portugal cifra-se abaixo da média europeia em termos de carga fiscal. O nosso país estava a meio da tabela, entre os 27 Estados Membros, com uma carga fiscal de 37,6% do PIB, abaixo da média comunitária (41,3%), num ranking liderado pela DK Dinamarca (47,6%).[1]

             Quando se fala em carga fiscal e a potencialização da arrecadação de fundos através de impostos, podemos utilizar a conhecida Curva de Laffer [2].  Já alguns estudos foram feitos para determinar o local que o nosso país ocupa na Curva de Laffer.

             No estudo de Diogo Ricardo Reis Azevedo é feito menção a esta temática, concluindo-se que “A taxa de imposto sobre o trabalho que está no pico da curva de Laffer e por sua vez maximiza as receitas de impostos, neste modelo, é de 39%. Então, Portugal está à esquerda do pico da curva de Laffer, pelo que seria possível obter uma maior receita aumentando a taxa de imposto sobre o trabalho para os 39%. Porém, em termos de receita, Portugal não está muito longe do máximo, pois a diferença do ponto máximo da curva para a situação base (…) não é muito significativa. De facto, esta diferença é apenas de 3,7%, o que significa que Portugal poderia aumentar a sua receita nesse valor, subindo a taxa de imposto do trabalho dos 28% para os 39%, mantendo todas as restantes variáveis exógenas constantes.”[3]

             Ou seja, do ponto de vista da maximização da receita do Estado, existia espaço para subir os impostos sobre o rendimento. Isto não significa, no entanto, que fazê-lo fosse o melhor para a economia do país, mas que ainda é possível aumentar a receita do Estado através da subida dos impostos sobre o trabalho.

             Mas e quanto ao esforço fiscal? Vários especialistas utilizam o índice de Bird para calcularem este esforço.

índice de Bird, (1964) vem “no sentido de dar robustez ao índice de Frank”. Bird propõe uma variação ao índice de Frank. O “índice de Bird define a carga fiscal em função do PNB[4] deduzido da receita fiscal, ou seja, considerando o rendimento disponível, diferindo assim do índice de Frank.”[5]. De realçar que o Produto Nacional Produto (PNB) considera todos os bens e serviços produzidos pelos cidadãos, não importando onde ocorra a produção. Note-se que vale destacar a palavra “Nacional”, ou seja, tudo o que é produzido interna e externamente que seja de origem daquele país.

             Em análise, utilizando este método, “usando valores em paridade de poderes de compra (para refletir as diferenças de custo de vida entre os países) e o rendimento nacional bruto (que contempla apenas a riqueza gerada que fica em território nacional). Portugal é, então, o 6.º país na UE onde o esforço fiscal dos contribuintes é maior. Considerando o índice do esforço fiscal médio na UE como 100, 🇵🇹 Portugal está acima, com 116,6, e apenas é ultrapassado pela 🇬🇷 Grécia (163,0), 🇵🇱 Polónia (129,3), 🇭🇷 Croácia (124,4), 🇧🇬 Bulgária (119,6) e 🇭🇺 Hungria (118,9).”[6]

             Podemos ainda questionar, qual a tendência que houve nos últimos anos a nível da carga fiscal, na União Europeia e mais especificamente em Portugal? Segundo João Simões de Almeida “Os índices foram calculados anualmente para os países da União Europeia no período de 1998-2016 e verifica-se uma tendência de diminuição e convergência do esforço fiscal (Gráficos 5 e 6), tal como sugerem RiveroGalindo e Meseguer (2001). Note-se que, apesar do esforço fiscal em média na UE ter diminuído consideravelmente entre 1998 e 2016, os índices de Bird e de Frank revelam que, em 2009 e 2012, houve um ligeiro aumento face ao ano anterior.”[7]. 

             E em Portugal, mais especificamente?

             Em artigo publicado por Joaquim Miranda Sarmento e Carolina Gomes, analisaram a evolução da carga e do esforço fiscal em Portugal, entre 1974 e 2011. “Em 1974 a carga fiscal rondava os 20% do PIB, em 2011 atinge um valor em torno dos 35%. Temos assim, que no espaço de 35 anos, a carga fiscal subiu 15 p.p. (ou seja, mais 75%). A tendência tem sido sempre de uma subida deste indicador, (…)”[8]

             Como vimos, a carga fiscal é elevada e, acima de tudo, o peso desta na carteira dos contribuintes não passa despercebida. É claro que, neste âmbito, rapidamente entramos numa discussão mais ideológica sobre a posição e dimensão do Estado do que propriamente técnica.

 

3.     Conclusão.

             O objetivo deste artigo era refletir sobre a situação económica atual, mais especificamente a analise do peso da tributação Portuguesa. Como vimos, a nível dos impostos diretos, procurámos aferir se a carga fiscal em Portugal é tão elevada como é propalado. Recorrendo-nos, num primeiro momento, à curva de Laffer, concluímos que Portugal está numa posição anterior ao ponto de maximização da receita pública. Apurámos, de seguida, a taxa de esforço da carga fiscal, evidenciando, a partir de alguns indicadores, como os índices de Frank e de Bird, que a taxa de esforço da carga fiscal, em Portugal, é maior do que a média da UE. Por fim, e em jeito sumário, embora a curva de Laffer nos indique que ainda é possível aumentar os impostos, estes já têm um peso significativo.

 

 Bibliografia e Webgrafia.

 

    Almeida, João, A carga e o esforço fiscal na união europeia, Trabalho final de mestrado em Ciências Empresariais - Repositório da Universidade de Lisboa, 2019.

     Araújo, Fernando. (2022). Introdução à Economia II, AAFDL Editora.

     Azevedo, Diogo, Curva de Laffer para Portugal: perspetiva de steady state, Trabalho final de mestrado em Economia - Repositório da Universidade de Aveiro, 2014, p.18.

     Sarmento, Joaquim M.; Gomes, Carolina, Crítica ao Índice de Frank e de Bird: uma análise à carga e o esforço fiscal em Portugal entre 1974 e 2011, STI Sociedade e Fiscalidade, 2014, p. 13.

     The ECB’s Governing Council considers that price stability is best maintained by aiming for 2% over the medium term.” - Inflation and consumer prices, Banco Central Europeu -Eurosistema https://www.ecb.europa.eu/stats/macroeconomic_and_sectoral/hicp/html/index.pt.html

     Eurostat. https://www.euribor-rates.eu/pt/taxas-euribor-actuais/ Euro-rates

     Portugal é o 6º país da União Europeia onde o Esforço Fiscal é maior” - +Liberdade - https://maisliberdade.pt/maisfactos/portugal-e-o-6-pais-da-europa-onde-o-esforco-fiscal-e-maior/

 

 

Adérito José Teixeira da Silva de Azevedo Rafael.








[1] “Portugal é o 6º país da União Europeia onde o Esforço Fiscal é maior” - +Liberdade - https://maisliberdade.pt/maisfactos/portugal-e-o-6-pais-da-europa-onde-o-esforco-fiscal-e-maior/

[2] A curva de Laffer é uma teoria econômica que foi desenvolvida pelo economista Arthur Laffer, esta teoria defende que a partir de um certo ponto, por mais que se aumente a percentagem do imposto haverá menos receita fiscal.

[3] Azevedo, Diogo (2014). “Curva de Laffer para Portugal: perspetiva de steady state”, pag 18. – Trabalho final de mestrado em Economia - Repositório da Universidade de Aveiro.

[4] PNB- Produto Nacional Bruto.

[5] Almeida, João (2019). “A CARGA E O ESFORÇO FISCAL NA UNIÃO EUROPEIA”, pag 19. – Trabalho final de mestrado ciências empresariais - Repositório da Universidade de Lisboa.

[6] “Portugal é o 6º país da União Europeia onde o Esforço Fiscal é maior”- +Liberdade - https://maisliberdade.pt/maisfactos/portugal-e-o-6-pais-da-europa-onde-o-esforco-fiscal-e-maior/

[7] Almeida, João (2019). “A CARGA E O ESFORÇO FISCAL NA UNIÃO EUROPEIA”, pag 26. – Trabalho final de mestrado ciências empresariais - Repositório da Universidade de Lisboa.

[8] SARMENTO, Joaquim M. & GOMES, Carolina (2014). Crítica ao Índice de Frank e de Bird: uma análise à carga e o esforço fiscal em Portugal entre 1974 e 2011. STI Sociedade e Fiscalidade, pp. 13.




terça-feira, 28 de maio de 2024

Risco Sistémico e Supervisão Macroprudencial - Adérito José Rafael-


                        Risco Sistémico e Supervisão Macroprudencial - Adérito José Rafael -


    Trabalho realizado por: Adérito José Teixeira da Silva de Azevedo Rafael; 2024; Aluno de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.


Índice:

1. Introdução

2. O Mercado e a Supervisão. 

    2.1 O Risco no sistema financeiro.

        2.1.1- O que é o risco Sistêmico?

    2.2 A supervisão do Setor Financeiro. 

        2.2.1- O Papel da supervisão Macroprudencial e o regime português.

3. Conclusão;

4. Bibliografia, Webgrafia e Legislação;


Link de acesso: 

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Artigo de opinião - Portugal, um país para os pequeninos? - Adérito Rafael

Portugal, um país para os pequeninos?

Este início de ano é marcado pelo descontentamento, seja pelas condições socioeconómicas externas a que qualquer tipo de ação de qualquer governo nada poderia fazer, seja pela inércia e alguma desconsideração que o atual governo português teve perante o país e certas classes de trabalhadores.

Se janeiro já está a terminar, começam agora as medidas previstas no orçamento de Estado e implementadas pelo executivo. Podemos desculpar erros inocentes, como o que aconteceu com as novas tabelas de retenção na fonte, que pelo que foi dito pelo governo e noticiado pelos media está a ser resolvido. Mas o que não se trata de erro e por isso pode ser censurado, são as muitas polémicas, desde as demissões de ministros e secretários de Estado, à forma como a greve e a negociação com os professores está a ser tratada e aos “aumentos”, se sequer se puder chamar assim, da função pública.

Não querendo explorar muito o tema das demissões, quero só dizer que se aqui há meses se poderia ter a ideia que o atual executivo socialista pouco ou nada fazia no combate á corrupção, ideia essa que rapidamente se depreende consultando o relatório da GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção do Conselho da Europa) onde encontramos a informação que Portugal implementou 6,7% das medidas anticorrupção recomendadas, dito de outra forma das 15 medidas recomendadas apenas uma foi aplicada. Hoje depois de tantos casos em tão pouco tempo, e permitam-me recorrer á ironia, parece-me plausível acreditar que a falta de crescimento económico ou do aumento da qualidade de vida em Portugal, afinal não se deveu a uma gestão estagnadora e sem grandes objetivos, na verdade a estrutura socialista estava era sem tempo para auxiliar o governo, devido a atividades paralelas.

Quanto à greve dos professores, o Ministério da Educação já se reuniu com os sindicatos e depois dos professores mostrarem o descontentamento e os graves problemas da escola pública, a resposta, adivinhem, foi manifestamente insuficiente. Claro que os recursos são escassos, mas se investir na educação não é um investimento de clara prioridade e necessidade, sinceramente não sei o que seria.

Hoje para os portugueses do continente, que trabalharam como professores perderam mais de 6 anos de tempo de serviço, os professores das ilhas receberam-no todo. O mesmo acontece quanto às quotas de acesso ao quinto e ao sétimo escalão, inexistentes nos Açores e na Madeira, no entanto presente no continente. Parece-me de grande importância trazer justiça a esta classe fundamental, a mãe de todas as profissões, devolvendo os mais de 6 anos de trabalho a estes profissionais. Deveríamos agir da mesma forma como os governos das regiões autónomas agiram e dessa forma fazer o que já se faz em Portugal, mas agora para todos. Não podemos ainda tirar conclusões, até porque as reuniões com os sindicatos ainda não acabaram, dessa forma ainda não temos um plano definitivo.

O que já sabemos é que os salários de todos os profissionais da função pública, inferiores a 2600 euros vão ter um aumento 52 euros. Este valor que veio a partir da subida do salário mínimo este que atualmente é de 760 euros, sentiu uma subida de 7,8% ou seja 52 euros. E como o governo nos tem habituado, todas os outros profissionais, vão ser também nivelados por baixo. A subida mantém-se nos 52 euros, mas para quem ganha um salário mínimo 52 EUR são 7,8% para quem ganha e 2600 esse aumento será só de 2%. O que seria se o governo mostrasse reconhecimento a quem mais produz! Diga-se de passagem que todos os funcionários que recebam mais que o salário mínimo declaradamente serão aumentados em valores inferiores á taxa inflação de 2022, 7,8%.

É incrível, que independentemente do tema, seja a reposição do tempo de serviço dos professores, a implementação de medidas, ou os aumentos da função pública é tudo para o pequenino. Por isso pergunto, o objetivo é que Portugal se torna um país para os pequeninos? Espero bem que não, não combina connosco, mas ao analisarmos o plano de atuação parece que o objetivo é minorar este país com tanta história e potencial como o nosso.

 

Adérito Rafael. 


segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Artigo de opinião - Portugal é um país estranho! - Adérito Rafael

 

Portugal é um país estranho!

Viver em Portugal estando atento aos acontecimentos da esfera política e económica é sem dúvida uma experiência interessante. Em Portugal as coisas funcionam, por vezes, de forma no mínimo estranha.

Como todos sabemos estamos hoje a viver um momento de entrada em mais uma grande recessão, os próximos tempos não são de forma alguma animadores. Desde a subida dos juros até á inflação galopante mudam a vida dos europeus, infelizmente, para pior. Medidas de apoio vão ser colocadas pelos governos, mais gastos públicos virão para tentar compensar a crise, com a subidas dos juros os países periféricos como Portugal, Itália, Grécia, que tem problemas de sobre-endividamento vão sofrer com a subidas dos juros. Muitos são os problemas e as consequências que esta nova crise trouxe e irá trazer. Mas, há algo que todos já sabemos que irá acontecer. A classe média vai sofrer.

Por falar em classe média, quando em cima disse que certas coisas funcionam de forma estranha, a maneira como a classe média é tratada em Portugal é uma dessas coisas. Em todos os países desenvolvidos, a proteção da classe média é uma prioridade, já em Portugal, penso que seja um consenso que o não é. Ter uma classe média saudável é de extrema importância para um país. É a classe média que sustenta um Estado. É a classe média que produz e faz realmente avançar o país. Por mais que as pessoas da classe média não sejam os investidores milionários que vêm criar emprego, é a classe média que vai trabalhar, vai agregar valor ao país. A classe média, tem de ser protegida, pois são essas pessoas que fazem avançar as empresas, são essas pessoas que por estarem sempre a lutar pela subida no elevador social acabam por ser os maiores contribuidores para o Estado. Temos de ser realistas, quem realmente tem elevadas taxas de esforço não é a classe baixa nem a classe alta. A classe baixa, por que não consegue ter recursos para se manter a si muito menos teria para contribuir. A classe alta, porque tem os recursos necessários para que se torne praticamente impossível de os taxar a partir de um certo ponto.

Por regra, os países esforçam-se para não taxar muito a classe média, para ela ter mais dinheiro disponível ou então taxam-na, mas entregam serviços públicos correspondentes a essa taxação. A razão para isto é clara, é necessário manter a classe média motivada a querer produzir mais que a classe baixa, até porque assim se estimula a classe baixa a querer subir para a média, e a média a aspirar chegar á classe seguinte. Em Portugal fizemos um misto das duas abordagens faladas em cima, a classe média é muito taxada e claramente não lhe é entregue o devido em serviços públicos.

Como disse no início deste artigo, estamos a entrar em mais uma forte crise. Não creio que a melhor abordagem seja a que temos tido nos últimos anos. Não se pode continuar a ignorar que o salário das pessoas qualificadas esteja estagnado. Segundo um estudo da fundação Gulbenkian[1] “a trajetória descendente do salário médio real que se iniciou em 2011 só se inverteu de 2016”, “Entre 2002 e 2017, o salário-base médio real cresceu 0,32% ao ano”.  

Tem de se tomar mediadas, tem de se aliviar a carga fiscal às pessoas! Não podemos ter uma classe média a pagar de 22% a quase 37% de taxa media do seu salário em IRS. Até porque, em cima deste vem a segurança social a 11%, e todos os impostos indiretos. Segundo a OCDE, no estudo “Taxing Wages 2022”, entre 2000 e 2021, a carga fiscal sobre o trabalhador solteiro médio em Portugal subiu de 37,3% para 41,8%.

Temo, no entanto, que este não seja o caminho que a atual liderança do nosso país irá tomar. Desejo que me engane, mas o mais provável a acontecer, com base no comportamento do executivo nos últimos anos, é que mais medidas existencialistas, que penhoram o futuro em troca de medidas muito pouco eficazes no presente, sejam implementadas, mais escândalos e decadência económica. Termino, no mesmo tom do início do artigo, dizendo que os próximos anos não serão fáceis, a inflação veio piorar ainda mais a situação. Mais uma vez temos a oportunidade de começar a tomar as decisões certas, ajudar as pessoas e a economia, mas temos um governo socialista com maioria absoluta, assim sendo, só mesmo esperando que Bruxelas saiba o que está e vai fazer… 



[1]  O Salário Médio em Portugal – Retrato atual e evolução recente, da autoria de Priscila Ferreira (U. Minho), Marta C. Lopes (European University Institute) e Lara P. Tavares (Centro de Administração e Políticas Públicas da Universidade de Lisboa), e os briefs Alavancar o Salário no Talento (preparado pelo ISEG), Efeitos de Diferentes Tipos de Políticas Económicas na Promoção do Crescimento dos Salários: Evidência Internacional (preparado pelo PROSPER – Center of Economics for Prosperity, da Católica Lisbon School of Business & Economics, Universidade Católica Portuguesa) e Especialização Produtiva e Salários: Propostas para Qualificar Portugal (preparado pelo Centro de Estudos Sociais – Laboratório Associado da Universidade de Coimbra) que permitem aprofundar o tema.